terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

"Tem plena consciência de que seu fracasso como escritor e seu fracasso como amante são tão intimamente paralelos que podem muito bem ser a mesma coisa. Ele é o homem, o poeta, o fazedor, o princípio ativo, e o homem não tem de esperar a aproximação da mulher. Ao contrário, é a mulher que tem de esperar pelo homem. A mulher é que dorme até ser despertada pelo beijo do príncipe; a mulher é o botão que desabrocha como as carícias dos raios de sol. A menos que se ponha voluntariamente em ação, nada acontecerá nem no amor, nem na arte. Mas ele não confia na vontade. Assim como não pode fazer o esforço voluntário de escrever mas tem de esperar pela ajuda de alguma força do exterior, uma força que costumava ser chamada de Musa, não pode simplesmente fazer o esforço voluntário de se aproxima de uma mulher sem alguma insinuação (de onde? - dela? de dentro dele? do alto?) de que ela é seu destino. Se se aproxima de uma mulher com qualquer outro espírito, o resultado é um envolvimento tão infeliz quanto o que teve com Astrid, um envolvimento de que estava tentando escapar quase desde o começo.
Existe outra maneira mais brutal de dizer a mesma coisa. Na verdade, há centenas de maneiras: podia passar o resto da vida a enumerá-las. Mas a maneira mais brutal é dizer que tem medo: medo de escrever, medo de mulher. Pode fazer caretas para os poemas que lê na Ambit e na Agenda, mas pelo menos estão lá, impressos, no mundo. Como pode saber se os homens que os escreveram não passaram anos se contorcendo, tão exigentes quanto ele, diante da página em branco? Contorceram-se, mas finalmente se dominaram e escreveram o melhor que puderam o que tinha que ser escrito, e enviaram, sofreram a humilhação da rejeição ou a humilhação igual de ver seus desabafos em letras frias, em toda a sua pobreza. Da mesma forma, esses homens devem ter encontrado uma desculpa, mesmo fraca, para falar com uma ou outra garota bonita no metrô e, se ela virou a cabeça ou fez uma observação desdenhosa a uma amiga em italiano, bem, devem ter encontrado um jeito de sofrer a recusa em silêncio e no dia seguinte devem ter tentado de novo com outra garota. É assim que se faz, é assim que o mundo funciona. E um dia eles, esses homens, esses poetas, esses amantes, teriam sorte: a garota, não importa o quão sublime a sua beleza, responderia, e, uma coisa leva a outra, suas vidas seriam transformadas, a vida de ambos, e acabou-se. O que mais é exigodo além de um tipo de estúpida, insensível obstinação, como amante, como escritor, ao lado de uma disposição de fracassar e fracassar de novo?
O problema dele é que não está preparado para fracassar. Quer um A ou um alfa ou cem por cento em todas as tentativas, e um grande Excelente! na margem. Ridículo! Infantil! Ninguém precisa lhe dizer isso: pode ver por si próprio. Mesmo assim. Mesmo assim não pode agir. Não hoje. Talvez amanhã. Talvez amanhã tenha vontade, tenha coragem."

-J. M. Coetzee, em Juventude

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