domingo, 27 de abril de 2008

Hero

Herois e santos. Tanto e ao mesmo tempo tão vazio, mas todos o querem ser. Eu não. Não o almejo. Santos vivem em renúncia, e eu vivo em celebração. Heróis são crentes, eu sou quase um niilista. Não por falta de fé, mas por uma fé sem objeto. Acredito, sem sentido nem razão. Não sei no que. Quam credula minimum postero.
Os acordes melodiosos tremulando em meus ouvidos. Dois dias de escuridão. Não sei o que celebro, e o faço de um modo um tanto tétrico. Silêncio, esperança, morte. A coroação da vida. Joyce - não, foi Dedalus - disse que Deus é alguém gritando na rua.
O diabo deve ser alguém gritando dentro de si.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Como uma personagem de Camus

A ausência de sentimentos esperados torna qualquer homem culpado. Talvez eu seja culpado de tudo, então. Ou eu só não tenha percebido o que pode acontecer.

De qualquer modo, pelo menos ainda não matei um árabe.

terça-feira, 22 de abril de 2008

a leveza do ser

Einmal ist keinmal. Uma vez é vez nenhuma.

Talvez a leveza do ser não seja tão insustentável. Minto, ela o é: mas o peso também. Como equilibrar-se entre o peso e a leveza? Kundera não saberia dizer. Nem eu. Nem ninguém. No momento, entretanto, não me preocupo; decidi entregar-me à leveza. Isso não significa superficialidade, falta de densidade. É a simples consciência de que uma vez é vez nenhuma e que a vida é única, mesmo que se repita infinitamente. Deixo a música encher-me os ouvidos e as cores de um dia sob o sol inundarem-me os olhos. E permito-me, então, rir.
Rir é esquecer.

sábado, 19 de abril de 2008

como todo o resto

Não sei o que é pior. O gosto de vômito em minha boca ou o de humilhação em minh'alma. Não, ninguém aponta e ri. Ninguém. Exceto por mim. Ainda vivo a sombra do que fui, do que não fui e do poderia ter sido. E nada é mais esmagador.
Olho para mim e sinto pena. Mas não acho a pena um sentimento digno, o que me leva ao desprezo. Mas como viver, se desprezo-me? Felizmente, é só por um momento.
Não gosto de ficar bêbado. Ainda assim, eu fico. É quase como os cortes: eu sabia que eles não me trariam bem nenhum mas ainda assim ansiava por eles. Tal como antes eu queria o beijo frio do metal abrindo minha pele, as vezes com delicadeza, outras violentamente, eu quero a tolice, a inconseqüencia e a dor que encher a cara me traz.
Mas, ao mesmo tempo, não quero, nunca quis.
Como todo o resto.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Cassandra

Lembro-me bem; era uma manhã de inverno quando eu cheguei no trabalho e havia um bilhete em minha mesa. Isso não era nada incomum na realidade, como eram poucos funcionários os avisos eram todos enviados dessa forma.
Esse, no entanto, era de um conteúdo inédito. Era um convite para um funeral: senhora Cassandra, uma jovem que trabalhava comigo, estava morta. A família convidava os amigos e colegas de trabalho para o enterro.
Não éramos próximos. Nossa relação resumia-se a troca de cumprimentos simpáticos e a entrega dos textos, quando eu terminava de revisá-los. Não iria ao enterro.
Durante o dia eu notei, no entanto, que ficara bastante abalado. Não pela morte em si, pessoas morrem todos os dias. Mas é que a morte de alguém conhecido - uma pessoa com um rosto e um nome, um ser tangível - sempre traz algo de incognoscível. O tempo se esvai, tudo acaba. Quando confrontados com isso, porém, é inevitável a sensação de perplexidade e de absurdo. Tudo na vida é assombroso, inclusive seu fim.
Cassandra suicidou-se. Foi só o que eu soube, enquanto as horas desenrolavam-se lentamente. Mas, por quê? O que a levou a tirar a própria vida? Ela era jovem, tinha um trabalho que realizava - ao menos aparentemente - com entusiasmo e que lhe garantia um bom padrão de vida. Não éramos próximos, logo não posso ter certeza... Mas seus belos olhos tão escuros não transpareciam nenhuma tristeza ou desespero.
Podia ser solidão. Todos somos sozinhos. Chega a ser opressor: tantas pessoas, tantos nomes e tantas faces indo em tantas direções. E ainda assim, ninguém tem um rumo. Não sabem aonde ir, não sabem o que fazer. Encontram-se, conversam, tocam-se, entregam-se umas as outras, mas isso não faz o menor sentido. Somos apenas almas ocas buscando um preenchimento. Só que nunca poderei perguntar se ela percebia isso ou se preferia enganar-se.
Eu nada sabia a respeito dela, mas estava cada vez mais fascinado. Não sabia se ela tinha família, namorado, um ou mais amantes. Não sabia o que ela gostava ou desgostava, não sabia o que a fazia rir ou chorar. Até o momento ela fora somente uma bela garota que trabalhava comigo. Agora, como que despertas de um sono eterno pelo clamor da morte, tantas perguntas essenciais surgiam. E eu não poderia ficar sem as respostas.
Graças a seu suicídio, apaixonei-me por Cassandra. Acho isso me fez decidir ir ao enterro.

fragmento de Eliot

"Os olhos não estão aqui
Aqui os olhos não brilham
Neste vale de estrelas tíbias
Neste vale desvalido
Esta mandíbula em ruínas de nossos reinos perdidos"

sexta-feira, 11 de abril de 2008

O gorducho Buck Mulligan

Não sou jesuíta, mas pode praguejar e chamar-me maldito.

Phoenish

Meu fim, é um começo em si só. Quantas vezes já não acabei? E sempre recomeço. É engraçado, o que nunca notei: gosto-me mais quando desisto. Seria isso a prova de que os sentimentos nada mais são do que uma espécie de abandono?
E sempre a promessa: da próxima vez, serei mais ousado. Mas eu tenho melhorado, não? Já tenho uma classe que nunca antes tive, deixei de ser Kafka, tornei-me genuinamente Kundera. Ainda tcheco, é verdade. E sempre um poeta. Nunca poderia ser misógino.
E das cinzas, acabo novamente. E do acabo, cinzo-me de novo.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Aceito

Silêncio. Silêncio.
...
Não! Recuso-me a silenciar! Recuso-me a dobrar-me! A melhor parte de viver é morrer a cada dia. Não quero a vida eterna, não quero diluir-me em mim.
Aceito a vida, mesmo que isso seja suicídio. Morro de amores, mas meus amores morrem em mim.
Novamente o destino é meu carro de Juggernaut.

domingo, 6 de abril de 2008

Solidão

"Por que as pessoas têm de ser tão sós? Qual o sentido disso tudo? Milhões de pessoas nesse mundo, todas ansiando, esperando que outras as satisfaçam, e contudo se isolando. Por quê? A terra foi posta aqui só para alimentar a solidão humana?"

(Haruki Murakami, Sputinik Sweetheart)

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Ritual de passagem

Sangue. Eu o troco pela tinta em minha pele. A dor pode ser suportada, mas nunca ignorada. Abati uma alma como se abate um animal, mas não me importo. Seria isso tornar-se homem, tornar-se monstro? Sangue. Dor. Não abafo os gritos, pois o simples fato de ter gritos para abafar já seria humilhante. Meu braço arde, mas nada que se compare ao meu ser.
Depois de muito vagar, começo a compreender alguns motivos. Ou não. Nunca entendo nada por muito tempo. Mas agora, nesse momento eu entendo que nunca amei, nunca me apaixonei. Para que isso aconteça realmente é necessário que não se tenha escolha, e eu sempre tive. O desejo, sem sombra de dúvida, foi muitas vezes avassalador, mas eu sempre tive a capacidade de escolher.
E mais uma vez, escolhi.
O sangue, a dor, o nada.
O nada.

De qualquer modo, viajar acompanhado é demasiado cansativo.

terça-feira, 1 de abril de 2008

again

Hold your breath and count to ten then fall apart and start again