quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Um conto de Roberto Bolaño

«Uma noite eu sonhei com um anjo: eu entrei em um grande e vazio bar e o vi sentando num canto, com os cotovelos sobre a mesa e uma xícara de café com leite à sua frente. Ela é o amor da sua vida, ele disse, erguendo os olhos para mim, e a força de seu olhar, o fogo de seus olhos, atirou-me através da sala. Eu comecei a gritar 'Garçom, garçom!' e então abri meus olhos e escapei daquele sonho miserável. Outras vezes eu não sonhava com ninguém, mas acordava em pranto. Enquanto isso, eu e Clara escrevíamos um para o outro. As cartas dela eram breves. Oi, como está, está chovendo, eu te amo, tchau. No começo essas cartas me assustavam. Acabou, eu pensei. Todavia após inspecioná-las com mais cuidado, eu concluí que sua concisão epistolar era motivada por um desejo de evitar erros gramaticais. Clara era orgulhosa: ela não escrevia bem, e ela não queria mostrar isso, mesmo que significasse me ferir por parecer fria."

Sobre dinheiro e presidentes

Todo meu desejo está morto.
A lascívia de outrora foi trocada por uma tristeza insondável. É como o dinheiro e a política: a instabilidade esperançosa dos presidentes e das moedas de outrora - quando eu era criança tivemos o Cruzeiro, Cruzado, Cruzado Novo, Cruzeiro Novo, Cruzeiro Real, URV e por fim o Real; e Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula era comunista - foi substituída por um desespero melancólico, mas estável.
Existe ainda um desejo, uma única coisa que quero.

sábado, 20 de dezembro de 2008

"As histórias de bebederias dos nativos, objeto dos relatos de todos os exploradores e até hoje comuns nas aldeias africanas, revelam e xistência de um vazio na vida das pessoas deste belo país. Insatisfações básicas ainda impelem os habitantes das aldeias africanas à autodestruição desesperada."

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

William Blake é um grande filho da puta. É só isso que eu digo. Mil vezes Bukowsky.

Noites regadas a gin e a inconsequência não são mais tão inconseqüentes. Não posso mais. É realmente e literariamente improvável: poderia desistir de meu nome - afinal nomes são improváveis e estúpidos - mas não desistir do que sou.

Todos os dias uma pequena morte - todas as noites: já fui, não mais sou. Sem desistir não consigo continuar.

Espero que isso não tenha o nome que mais temo.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Não se deve desafiar andarilhos visionários

Uma semana atrás eu pensei que morreria. Mas contrariando os clichês, não vi minha vida passar diante de meus olhos. Ao invés disso eu pensava em William Blake.
Não que eu seja grande fã de Blake: eu desprezo o romantismo. Mas andarilhos loucos e visionários me interessam. E, naquele momento, um de seus poemas não saia de minha mente.

Seria engraçado morrer no dia em que eu contrariei minha natureza, e desafiei William Blake.


terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Sete razões para a misantropia

1- As pessoas falam demais. Não dizem apenas o essencial, mas alongam-se em discursos semi-infinitos a respeito de trivialidades tão ou mais desinteressantes que suas próprias vidas.
2- As pessoas são desinteressantes, e recusam-se a percebê-lo.
3- Hipócritas que acreditam em suas próprias mentiras não servem para nada além de bucha de canhão ou comida de cachorro; e a maior parte da humanidade é assim.
4- Dão importância demais a objetos mais estúpidos que eles, como televisões e computadores.
5- Revestem a estúpidez de uma aura de genialidade, e ambicionam essa estupidez disfarçada.
6- A maioria das pessoas acha lindo ser 'culto', mas só se atreve a assistir comédias e a ler best-sellers.
7- Best-sellers aliás que elas acham que realmente contém algo de verdadeiro e importante, e não apenas montes de bosta unidos em histórias ruins e composições ridículas.

PS: Assim eu começo a escolher um dos dois caminhos da velhice, o do velho amargo. Mesmo que talvez seja cedo demais para isso. 

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

É importante notar que existe uma considerável diferença entre o que se é e o que se sente.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Slowblow - Aim for a Smile

I've seen death as it sneaked up behind you
Patiently taking its aim
As it aimed for the spark in your eyes
Resistance from here looked so lame
What used to scare me is not worth one thought
As i cling the memory of
Pitch black coffee and cigarette used
While i aimed for a smile on your face

I tried to sit straight up the side of your bed
And pour my thoughts straight down the drain
When it pours i'd much rather get wet
Than to shelter my thoughts from the rain
While i chill my guitar to your amplified breath
And hum away thoughts of your death
All I got left is one awkward embrace
My last aim for a smile on your face

Eu acho que sou uma pessoa triste.

domingo, 23 de novembro de 2008

L. sente-se desconfortável com abraços.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Nada é melhor do que escrever, principalmente quando dói.

Estava quase me esquecendo disso.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Como Truman Capote salvou minha vida

Frustração: desse modo eu sou capaz de definir, em uma única e angustiante palavra, o período em que fiquei sem escrever. 
Não sei se é isso que chamam de writer's block, mas as idéias não fluíam. Não que não as tivesse: minha mente é extremamente fértil, talvez até demais. Mas eram apenas pedras brutas, não lapidadas. E venho me sentindo um tanto incapaz de fazê-lo: falta talento, falta inspiração, falta empenho. A angústia não-criativa acaba sendo mais forte.

"Escrever obedece a leis de perspectiva, de luz e sombra tal qual a pintura, ou a música. Se você nasceu sabendo, ótimo. Se não, aprenda. Então refaça as regras para que lhe sirvam."

Assim Capote salvou minha vida: pensando assim posso voltar a escrever. Aliás, não só posso como devo. Gosto das obras dele, mas ele não é um de meus heróis literários... É, no entanto, um de meus heróis, agora.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Guerra fria

É comparável ao conflito de
Duas grandes potências

Uma das quais já extinta
E desmembrada em centenas
De nações menores
Muitas das quais com províncias separatistas

Mas não comparo com o presente
E sim com o passado, talvez, glorioso

A imobilidade e a mútua ameaça
De bombas atômicas ou de afetos
Que nos aniquilariam a todos
Deixando apenas as eternas baratas

Mas não comparo com a mortandade
De uma hipótese, quiçá. esquecida

Tudo aquilo que vejo em seus olhos
Pode ser apenas um reflexo dos meus

domingo, 10 de agosto de 2008

noites em claro

Noites em claro: acordo no escuro, durmo ao nascer do Sol. Não que renegue o dia, apenas abracei essas noites, tão dolorosas e tão ingratas. A fumaça invade meus pulmões, baco a minha cabeça.
Enquanto as pernas se confundem e as mãos tremem, um coração que bate: espalha o sangue e a solidão por todo meu corpo, cada átomo de mim é sozinho no universo, mesmo acompanhado.

Eu tive um sonho ruim, e acordei: achei que estaria escuro, mas já era de dia.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Limítrofe

Nada no mundo é tão fácil e tão dolorido quanto trair a si mesmo. 

terça-feira, 22 de julho de 2008

Jag såg ett träd... (Eu vi uma árvore)

Jag såg ett träd som var större än alla andra 
och hängde fullt av oåtkomliga kottar; 
jag såg en stor kyrka med öppna dörrar 
och alla som kommo ut voro bleka och starka 
och färdiga att dö; 
jag såg en kvinna som leende och sminkad 
kastade tärning om sin lycka 
och såg att hon förlorade.

En krets var dragen kring dessa ting 
den ingen överträder.


(Eu vi uma árvore que era maior que todas as outras
cheia de pinhas que não se alcançava;
Eu vi uma igreja grandiosa com as portas abertas
E todos que saiam eram pálidos e fortes
e estavam preparados para a morte;
E eu vi uma mulher com o rosto pintado
Que lançava os dados de sua própria sorte
E eu vi que ela perdeu.

E ao redor desenhava-se um círculo
Que ninguém ultrapassava.)


(Edith Irene Södergram, traduzido do sueco por Luciano R. Mendes)

segunda-feira, 21 de julho de 2008

noite branca

Noite em claro: mesmo com as luzes apagadas. Muitas perguntas, nenhuma resposta. A hora do lobo vem e vai, sobrevivo - mas não escapo ao medo, nem aos pesadelos (mesmo estando acordado). Quem será que morreu? Quem será que nasceu?
Ninguém que eu conheça: já estarei morto quando a notícia for dada. E os morangos silvestres continuarão crescendo, independentemente de mim. Ela possui muitos nomes: só um não fui em quem deu: espero que não seja Sara, quando eu for Isaak.

domingo, 20 de julho de 2008

after dark

É sempre no escuro que as coisas acontecem. É sempre possível perder-se no canteiro de morangos silvestres, quando não se pode ver um palmo diante de seu nariz: as memórias e os desejos constituem o mais complexo dos labirintos.

sábado, 19 de julho de 2008

Mais um copo de gin

Mais um copo de gin. E eu me despedaço: cada pedaço é um inteiro, uma dor em si. Falo mais do que deveria, menos do que gostaria. Talvez seja um jeito de demonstrar a solidão. É o máximo que é possível fazer, demonstrá-la. Pois o que sou, se não solidão? Retire-a e retiras meu todo. Um vulto kafkiano: eis o que sou. 

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Sereias

Mais poderoso que o canto, o silêncio. Mais poderosas que o silêncio, palavras doces. Mais poderosos ainda, olhares. Seus olhos cheios de uma fria crueza me fazem sangrar, seus olhos cheios de um afeto distante me fazem morrer.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Amor ao distante.

Nietzsche dizia que esse era o ideal do übermensch.
Talvez eu esteja mais próximo disso do que imagino: não consigo ter amores tangíveis. Não consigo ter amores. Sinto-os: queimam minha carne como se fossem ferro em brasa. Mas nunca os tenho. Ainda assim, humano demais, até o übermensch.
Preferia ser um deus, mesmo que um deus morto. 
Sera que é mesmo tudo questão de coragem? Ou será que a tempestade que uns chamam de destino e outros de acaso (sempre com os mesmos resultados, então de que importa o nome?) é mais forte do que a vontade, mais forte que o desejo, mais forte?

Sempre longe, mesmo perto. Sempre um abismo.

terça-feira, 15 de julho de 2008

oco

Embora. Longe. E dentro de mim um pedaço vazio. 
Choro de saudades, choro com medo das possibilidades: não quero perder nem a menor das partículas.

"Assim expira o mundo
Não com uma explosão, mas com um suspiro"
(T. S. Elliot, Homens Ocos)

sábado, 12 de julho de 2008

nunca Beatriz

Não tente viver como asceta, quando você é um pecador: santos são santos, os outros não. Não aceito o conceito de pecado, mas sou desesperadamente pecador. É parte de mim já. Homens piores já foram santos, não é por isso que serei condenado. Minha luxúria é minha diversão, minha soberba e meu orgulho meus espelhos.

Purgatório ou inferno: nunca Beatriz. 

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Lapela

Mesmo que invisível, minha lapela está cortada. 

Desculpe, Cezariny

"Dorme, dorme meu menino
Dorme no mar dos sargaços
Que mais vale o mar a pino
Do que as serpentes nos meus braços"

Desculpe, na verdade é tão fácil se afogar quanto ser envenenado.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

esterco

O amor é uma coisa que morre: morre e vira esterco, que serve de adubo para novos sentimentos. Uma das coisas tristes e desprezíveis do mundo é um ser humano obcecado com o esterco.

Por favor, descanse em paz: nem as moscas são tão vis.

domingo, 15 de junho de 2008

A noite

O ar gélido da noite me fez estremecer, chovia e ventava, eu sem rumo na escuridão. Só sabia que precisava encontrá-lo: algo no seu tom me preocupara, me doera. Eu tinha de ir, mesmo que a essa altura minhas pernas e minha mente não fossem confiáveis.

Lá ele estava, silencioso, com algo nos olhos. O tom foi solene: como em um funeral. Eu não soube o que dizer, não soube o que fazer. Em meio a irrealidade que eu me encontrava, as palavras ásperas, pesadas foram como uma palmatória, fazendo com que eu voltasse um pouco a realidade. Mas o que realmente penetrava fundo em minha carne, dilacerando-me em minha tolice era seu olhar.

Foi rápido e ele logo desapareceu novamente sob a lua. Mas deixou suas palavras, seus olhos e um homem derrotado: ele não me fez mal algum, só mostrou-me o que eu mesmo fizera. As cicatrizes que me fazia quando era mais novo não eram tão profundas quanto as atuais.

Você tem Bloom e Dedalus dentro de você, mas age como Rimbaud. A estação é o inferno. Não, não é assim que as coisas são. Esse não é você. Pense. Pediu desculpas por estragar a noite: não a estragou. Sem rumo, coração pesado. Mais uma vez ele parte e eu fico, agora com as lágrimas já derramadas.

 Minha alma desmaiava lentamente, enquanto eu ouvia a chuva cair suave através do universo, cair brandamente, como se lhes descesse a hora final, sobre todos os vivos e todos os mortos.

E, assim, eu aprendi a diferença entre vivos, mortos e amados.

sábado, 14 de junho de 2008

falhas

Memento mori: lembra-te de que morrerás. Qual a validade disso para um cadáver? Cada passo em falso é um passo de uma danse macabre. De quem é o corpo que habito? De quem é essa consicência que parece ser a minha, mas que eu sei que não é? São trágicas as histórias de homens que se desviaram de seus caminhos. Mas não lembro de ouvir muito sobre caminhos que se desviaram dos homens que os deveriam seguir. Deve ser aí, então, que reside a verdadeira tragédia. 
Lembro, a cada instante.

terça-feira, 10 de junho de 2008

cansaço

Cansaço: o peso da leveza sobre minhas costas: o uísque faz com que eu o sinta mais ainda. Não quero ternuras de novilho, preciso de alguém com quem dormir; não com quem fazer amor. Ou não, só preciso estancar o vazio: uma ferida que cresce.

terça-feira, 3 de junho de 2008

Hemingway e Kafka

Se eu fosse Ernest Hemingway, a essa hora já estaria morto, pela arma de meu pai, pelo presente de minha mãe e por minha própria mão. (meu bilhete de suicídio foi escrito antes de eu nascer) 

Ou seja, se eu fosse Hemingway, nada seria além de um conto de Kafka.

terça-feira, 27 de maio de 2008

um vagabundo iluminado

A única coisa mais inquieta que meus pés é meu coração. A permanência é um veneno para minha alma, preciso, anseio e sou todo inconstância.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Aniversário

Ontem foi meu aniversário. Eu sempre penso em aniversário como dias deprimentes: um lembrete da mortalidade, da fugacidade. A perda da inocência.Em muito tempo, esse foi o melhor. Eu ia fazer um texto gigantesco e tão filosófico quanto os outros a respeito, mas... Deixa. Certas coisas não precisam de filosofia, elas simplesmente são. E foi assim meu dia. Graças não a ser meu aniversário, mas as pessoas ao meu redor. As antigas, mais antigas de todas. As antigas, mas não tanto. E as bem novas. Todas bem próximas a mim, umas que estiveram a vida toda ali, outras que me tiraram da merda nos momentos difíceis e outras que pura e simplesmente me entendem.Obrigado. Graças a vocês, todas as palavras tem o comprimento de suas vibrações, e a dissonância que eu chamo de vida continua a soar.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Cassandra (2)

1: http://fluxodeinconsciencia.blogspot.com/2008/04/cassandra.html

É curiosa - e igualmente dolorosa - a impossibilidade da memória: não consigo lembrar de um rosto quando não o estou vendo, isto é: sou capaz de reconhecer uma face mas nunca lembro exatamente como ela é. Mais difícil do que comer uma madeleine.
O dia arrastou-se lento, eu trabalhava distraído. Mnemósine não me sorria enquanto eu tentava fazer um retrato mental de Cassandra. Ela assombrou-me durante todo o dia, o escritório era Elsinore: a vingança aqui chamava-se compreensão.
Finalmente chegou a hora do enterro. Enlutei-me, por puro respeito a família: não acho que os vivos devam mais respeito aos vivos que aos mortos, e nunca vi ninguém usar uma cor especial para um nascimento. Via de regra, os vivos é que tem o que os mortos desejam.
A atmosfera era típica: lágrimas contidas, lágrimas copiosas, lágrimas discretas - como todos os mortos, Cassandra recebeu todos os tipos de lágrimas. Enquanto sua mãe desmanchava-se em pranto, alguns eram quase indiferentes, mais curiosos do que tristes ou respeitosos.
Foi nada mais que uma Dodendanz clássica: o padre e suas litanias: os vivos e suas respostas. A morta enterrada. Acho que seria melhor se ela tivesse sido cremada, eu ao menos quero ser: Ignus mutat res. Deus, no entanto, prefere bolotas de carniça.
Tinha uma irmã. Ou tem, não sei - foi ela que deixou de existir, e não a irmã: noto agora que a gramática está despreparada para lidar com a morte. Quase tão bonita quanto. Porém de olhos menos profundos. Danse macabre: ainda que eu ande à sombra do vale da morte, não temerei mal algum. Sementes de maça foram um suicídio adequado, Dante diria que ela virará uma árvore no inferno. Apolo também transformava mulheres em plantas, mas a Cassandra ele deu o descrédito.
Talvez seja isso. Uma profecia, a qual ninguém dará ouvidos. Como ratos abandonando um navio. Assim tivemos Tróia. Dou as condolências para a família, mas queria que fosse para Cassandra. Acho que ela recusaria.
Quando eu deixo o cemitério, já lunou. As estrelas têm seu brilho ofuscado pela cidade, tornam-se um nada. Isso é bom em dias como esse, nos quais elas seriam tremendamente opressoras.

medos

Confronto-me, por esses dias, com meus maiores medos. Desejo, morte, verdade. Coisas tão díspares entre si quanto divindade e santidade.
Com relação a morte, eu já passei por isso antes. De modo bem parecido. Mas não agi do modo mais adequado: até hoje, é uma das minhas maiores mágoas. Toda vez que eu lembro que perdi de vê-la uma última vez... Eu quero chorar. E agora, a outra. Sabendo que talvez logo eu nunca mais vá vê-la, eu quero chorar, os olhos enchem-se de oceano.
A mesma coragem que me falta para confrontar a verdade. Ou melhor, fazer a verdade ser confrontada. Tenho, sim, um pouco de receio de como vão reagir. Dele, em especial. Posso estar tendo pouca fé agindo assim, mas não acredito que ele me perdoaria - mesmo que isso seja imutável e inculpabilizável: I am what I am.
O desejo é uma dor mais banal, mas ainda lacinante. Seria solucionável, quem sabe. Mas eu não tenho coragem.

domingo, 11 de maio de 2008

tudo aquilo que não

as horas tão claras
sempre tão indistintas
e, como uma brisa,
um movimento que trai
tudo o que não se pode
tudo aquilo que não

mas seríamos tanto assim?
ou seria apenas
mais um erro arrogante
como todos os outros erros
que se recusam
a simplesmente serem?

suas mãos suaves
seus olhos sutis
com a brutalidade que só é possível
ao alvo de uma paixão
que não é, nem nunca
deveria ter sido

sinto-me cada vez menos
mas menos em todo caso
sempre quer dizer mais
mesmo quando não resta
nada

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Duinker, em pedaços

Vazio
Saltar para o longe sem rédeas
Cheio
Saltitar com olhos que implodem
Cheio
Balançar boquiaberto
As crianças dormem o seu êxtase de juventude
A alegria de uma passa para outra
Indo
Vindo
Estrelas

Deseja deseja deseja...

terça-feira, 6 de maio de 2008

a seguinte história...

O tempo e a memória são ilusões.
Passado e futuro só existem como projeções da mente, logo, são irreais. 'Agora' é uma palavra proibida, tenta representar algo fugaz demais para ser representado.
É engraçado como. É engraçado como é difícil lembrar dos rostos que você não está vendo no momento.
Em dúvida.
Anti-górgona me matando.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

anti-górgona

Cinema. Um filme bom: culinário. Um pouco de nacionalismo rescende disso. Ou disso rescende um pouco de nacionalismo. Na verdade, regionalismo: mesmo sendo em parceria com a Itália. Algumas coisas podem ser ignoradas. Orgulho local.
Finalmente a conheci, no mundo real; realmente bonita. Contrariando Wilde eu nem conheci seus vícios, mas a considero interessantíssima. Um tanto parnasiano, talvez.
Perseu não tinha motivos para temer a grotesca górgona: é a beleza que petrifica.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

vozes sem corpos

As horas passam lentas: são, também, rápidas. Não existem perspectivas, no entanto, como Pigmaleão espero por um milagre. Estátua, torne-se humana. Os Deuses não me dariam isso, estão mortos e enterrados.
Ainda assim: anseio: faz tanto tempo, quase esqueci como se faz essas coisas. O dia frio como eu gosto. É, assim que me agrada. Fazer a barba, perfumar-me; visto-me como para um enterro, mas não trajarei o luto. Já o fiz por muito tempo, na minha vida.
As horas passam lentas: são, também, rápidas: anseio. Vozes sem corpos agora me parecem como os filhos de Marte.

domingo, 27 de abril de 2008

Hero

Herois e santos. Tanto e ao mesmo tempo tão vazio, mas todos o querem ser. Eu não. Não o almejo. Santos vivem em renúncia, e eu vivo em celebração. Heróis são crentes, eu sou quase um niilista. Não por falta de fé, mas por uma fé sem objeto. Acredito, sem sentido nem razão. Não sei no que. Quam credula minimum postero.
Os acordes melodiosos tremulando em meus ouvidos. Dois dias de escuridão. Não sei o que celebro, e o faço de um modo um tanto tétrico. Silêncio, esperança, morte. A coroação da vida. Joyce - não, foi Dedalus - disse que Deus é alguém gritando na rua.
O diabo deve ser alguém gritando dentro de si.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Como uma personagem de Camus

A ausência de sentimentos esperados torna qualquer homem culpado. Talvez eu seja culpado de tudo, então. Ou eu só não tenha percebido o que pode acontecer.

De qualquer modo, pelo menos ainda não matei um árabe.

terça-feira, 22 de abril de 2008

a leveza do ser

Einmal ist keinmal. Uma vez é vez nenhuma.

Talvez a leveza do ser não seja tão insustentável. Minto, ela o é: mas o peso também. Como equilibrar-se entre o peso e a leveza? Kundera não saberia dizer. Nem eu. Nem ninguém. No momento, entretanto, não me preocupo; decidi entregar-me à leveza. Isso não significa superficialidade, falta de densidade. É a simples consciência de que uma vez é vez nenhuma e que a vida é única, mesmo que se repita infinitamente. Deixo a música encher-me os ouvidos e as cores de um dia sob o sol inundarem-me os olhos. E permito-me, então, rir.
Rir é esquecer.

sábado, 19 de abril de 2008

como todo o resto

Não sei o que é pior. O gosto de vômito em minha boca ou o de humilhação em minh'alma. Não, ninguém aponta e ri. Ninguém. Exceto por mim. Ainda vivo a sombra do que fui, do que não fui e do poderia ter sido. E nada é mais esmagador.
Olho para mim e sinto pena. Mas não acho a pena um sentimento digno, o que me leva ao desprezo. Mas como viver, se desprezo-me? Felizmente, é só por um momento.
Não gosto de ficar bêbado. Ainda assim, eu fico. É quase como os cortes: eu sabia que eles não me trariam bem nenhum mas ainda assim ansiava por eles. Tal como antes eu queria o beijo frio do metal abrindo minha pele, as vezes com delicadeza, outras violentamente, eu quero a tolice, a inconseqüencia e a dor que encher a cara me traz.
Mas, ao mesmo tempo, não quero, nunca quis.
Como todo o resto.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Cassandra

Lembro-me bem; era uma manhã de inverno quando eu cheguei no trabalho e havia um bilhete em minha mesa. Isso não era nada incomum na realidade, como eram poucos funcionários os avisos eram todos enviados dessa forma.
Esse, no entanto, era de um conteúdo inédito. Era um convite para um funeral: senhora Cassandra, uma jovem que trabalhava comigo, estava morta. A família convidava os amigos e colegas de trabalho para o enterro.
Não éramos próximos. Nossa relação resumia-se a troca de cumprimentos simpáticos e a entrega dos textos, quando eu terminava de revisá-los. Não iria ao enterro.
Durante o dia eu notei, no entanto, que ficara bastante abalado. Não pela morte em si, pessoas morrem todos os dias. Mas é que a morte de alguém conhecido - uma pessoa com um rosto e um nome, um ser tangível - sempre traz algo de incognoscível. O tempo se esvai, tudo acaba. Quando confrontados com isso, porém, é inevitável a sensação de perplexidade e de absurdo. Tudo na vida é assombroso, inclusive seu fim.
Cassandra suicidou-se. Foi só o que eu soube, enquanto as horas desenrolavam-se lentamente. Mas, por quê? O que a levou a tirar a própria vida? Ela era jovem, tinha um trabalho que realizava - ao menos aparentemente - com entusiasmo e que lhe garantia um bom padrão de vida. Não éramos próximos, logo não posso ter certeza... Mas seus belos olhos tão escuros não transpareciam nenhuma tristeza ou desespero.
Podia ser solidão. Todos somos sozinhos. Chega a ser opressor: tantas pessoas, tantos nomes e tantas faces indo em tantas direções. E ainda assim, ninguém tem um rumo. Não sabem aonde ir, não sabem o que fazer. Encontram-se, conversam, tocam-se, entregam-se umas as outras, mas isso não faz o menor sentido. Somos apenas almas ocas buscando um preenchimento. Só que nunca poderei perguntar se ela percebia isso ou se preferia enganar-se.
Eu nada sabia a respeito dela, mas estava cada vez mais fascinado. Não sabia se ela tinha família, namorado, um ou mais amantes. Não sabia o que ela gostava ou desgostava, não sabia o que a fazia rir ou chorar. Até o momento ela fora somente uma bela garota que trabalhava comigo. Agora, como que despertas de um sono eterno pelo clamor da morte, tantas perguntas essenciais surgiam. E eu não poderia ficar sem as respostas.
Graças a seu suicídio, apaixonei-me por Cassandra. Acho isso me fez decidir ir ao enterro.

fragmento de Eliot

"Os olhos não estão aqui
Aqui os olhos não brilham
Neste vale de estrelas tíbias
Neste vale desvalido
Esta mandíbula em ruínas de nossos reinos perdidos"

sexta-feira, 11 de abril de 2008

O gorducho Buck Mulligan

Não sou jesuíta, mas pode praguejar e chamar-me maldito.

Phoenish

Meu fim, é um começo em si só. Quantas vezes já não acabei? E sempre recomeço. É engraçado, o que nunca notei: gosto-me mais quando desisto. Seria isso a prova de que os sentimentos nada mais são do que uma espécie de abandono?
E sempre a promessa: da próxima vez, serei mais ousado. Mas eu tenho melhorado, não? Já tenho uma classe que nunca antes tive, deixei de ser Kafka, tornei-me genuinamente Kundera. Ainda tcheco, é verdade. E sempre um poeta. Nunca poderia ser misógino.
E das cinzas, acabo novamente. E do acabo, cinzo-me de novo.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Aceito

Silêncio. Silêncio.
...
Não! Recuso-me a silenciar! Recuso-me a dobrar-me! A melhor parte de viver é morrer a cada dia. Não quero a vida eterna, não quero diluir-me em mim.
Aceito a vida, mesmo que isso seja suicídio. Morro de amores, mas meus amores morrem em mim.
Novamente o destino é meu carro de Juggernaut.

domingo, 6 de abril de 2008

Solidão

"Por que as pessoas têm de ser tão sós? Qual o sentido disso tudo? Milhões de pessoas nesse mundo, todas ansiando, esperando que outras as satisfaçam, e contudo se isolando. Por quê? A terra foi posta aqui só para alimentar a solidão humana?"

(Haruki Murakami, Sputinik Sweetheart)

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Ritual de passagem

Sangue. Eu o troco pela tinta em minha pele. A dor pode ser suportada, mas nunca ignorada. Abati uma alma como se abate um animal, mas não me importo. Seria isso tornar-se homem, tornar-se monstro? Sangue. Dor. Não abafo os gritos, pois o simples fato de ter gritos para abafar já seria humilhante. Meu braço arde, mas nada que se compare ao meu ser.
Depois de muito vagar, começo a compreender alguns motivos. Ou não. Nunca entendo nada por muito tempo. Mas agora, nesse momento eu entendo que nunca amei, nunca me apaixonei. Para que isso aconteça realmente é necessário que não se tenha escolha, e eu sempre tive. O desejo, sem sombra de dúvida, foi muitas vezes avassalador, mas eu sempre tive a capacidade de escolher.
E mais uma vez, escolhi.
O sangue, a dor, o nada.
O nada.

De qualquer modo, viajar acompanhado é demasiado cansativo.

terça-feira, 1 de abril de 2008

again

Hold your breath and count to ten then fall apart and start again

segunda-feira, 31 de março de 2008

calças?

Decidi me cuidar. Tomar conta de mim. Preciso ser homem e me encarar. Sabe, não vou deixar minhas agonias tomarem conta. Se eu deixar, logo vou estar por aí, andando vestido só de camisa, cuecas, meias, gravata e sapatos. Sem calças.

Quando um homem abandona o uso de suas calças, quer dizer que está no fundo do poço. O próximo passo é enforcar-se.

domingo, 30 de março de 2008

Ilógico

Pura e simplesmente ilógico: para que eu consiga ser 'feliz' e viver em sociedade, dão-me pílulas mágicas. Elas, no entanto, tornam-me cansado, apático. Assim, eu não fico feliz. Claro, não fico deprimido ou destrutivo também - nem qualquer outra coisa socialmente inaceitável. Mas não fico em condições de realmente viver.

sexta-feira, 21 de março de 2008

ilha

Uma semana andando com minhas próprias pernas. Uma semana queimando em meu próprio fogo.
E ainda assim, eu sequer tenho forças pra ser tolo...
A memória é algo impossível. O tempo apaga todas as lembras, obscurece e confunde os fatos. Já nem sei meu nome. Já nem sei quem sou - ou quem fui. A única coisa que me marca são minhas cicatrizes. 79 delas. Mais as que não posso ver - que ninguém pode.
São meu fardo, meu legado: a marca da minha solidão mesmo em meio a uma multidão. É como se gritassem para mim: 'Nenhum homem é uma ilha, logo não podes ser homem!'


O que sou então?
Algum animal vil e covarde.

quinta-feira, 20 de março de 2008

um fragmento de Jabès

"O cego conheceria

a doçura primitiva

de ser inteiramente noite?"

quarta-feira, 19 de março de 2008

Fumaça

Noite. Noite escura e adiantada. Estou coberto pela escuridão. A fumaça adentra meus pulmões, através da peça de madeira. O nome é cachimbo. O nome é o ser.
Palavras não importa. A música é irrelevante. Fujo do silêncio, e fujo da luz do dia: eles tornam meus medos mais terríveis, minhas alegrias mais terrenas.
A fuligem me acaricia por dentro, esse interior tão calejado e alquebrado. Continuo andando. A fumaça. Continuo andando.
A
fumaça.
Sempre, só
a fumaça
é
real
mesmo sendo
nada.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Algumas linhas são facilmente transpostas. Já não tenho mais tanta vida em mim.

A ausência de remorso pode ser um sinal de culpa?

quinta-feira, 13 de março de 2008

Cure for Pain

"Where's all that money that I spent
I propose a toast to my self control
You see it crawling helpless on the floor
Someday there'll be a cure for pain
That's the day I throw my drugs away
When they find a cure for pain"

Talvez não haja cura para a dor, mas é hora de jogar as drogas fora. E aprender auto-controle.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Futuro

Decidi meu futuro: a Legião Estrangeira Francesa me aguarda.

domingo, 9 de março de 2008

Uma noite

O gosto amargo da bile permeia minha boca. O vômito que cobre meu corpo, minhas mãos e até mesmo meu rosto me enoja. Sozinho, no chão do quarto. Quem se importa? Eu é que não. Definitivamente.

A sensação é pior. Como se a sujeira fosse sangue. Élan vital que me foi tomado pela tinha estupidez. Ouço o chamado do escuro em mim, mas não atendo. Não tenho forças nem para ser fraco.

Uísque. É esse o caso. Como sempre, é ao uísque que eu me entrego, numa orgia desesperada de tolices e tristezas. Qual o sentido da vida? Descendente. Decadente. O nada.

O homem só é feliz quando morre. Duvido. Nem assim.

sábado, 8 de março de 2008

Quer saber? Eu gostaria que o mundo caísse na minha cabeça.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Sob as rodas de Juggernaut

Hoje descobri ter usado recentemente uma palavra maldita. Uma palavra que prometi nunca mais proferir, cujas sílabas jurei nunca mais beijar. Eu fiz uma promessa, e quebrei.

Tive sonhos com a chuva, e acordei sem rumo. O mundo é etéreo: tudo que toco parece gelado, todos os sons têm um mesmo tom, todas as cores são iguais, todos os sabores pálidos. Só uma memória me parece real. É uma pele, uma boca, um cheiro, um toque, um rosto. Não fui feito para ternuras, não fui feito para romances: fui talhado para a guerra, sou um solitário. No entanto, sucumbo a minha própria humanidade. Um tolo.

Sinto-me como se estivesse sob as rodas de Juggernaut. Pelo menos isso me faz escrever versos - versos que nunca verão a luz, mas, ainda assim, versos.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Sonho

Sonhei com um poema. Não, eu não era poeta - mas tampouco era misógeno. Apenas foi um sonho com um poema. Conheço-o. É de O'Neill. Não, não é um poema - são só alguns pedaços.

'e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.'

E isso é tudo. Sempre a poesia.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Porém, com menos sombras.

Depois da tempestade, a calmaria. Não, nunca. A tempestade nunca termina. Apenas me acostumo ao mar revolto.

Desconstruo-me, como se fosse Gordon Pynn. Porém, com menos sombras. Menos sombras. Mil alegrias não me deixam tão alegre quando a negação de uma miséria. Penso em Coetzee. Penso em mil coisas.

Abismo portátil, em forma de coração.*


*Frase de Fernando Ribeiro

domingo, 2 de março de 2008

Exílio

Eis o que preciso. Exilar-me. Mas pra onde? Sou um estrangeiro em toda parte, minha terra me é estranha.
A crueza dos sentimentos em mim é que castiga. Preciso exilar-me de mim mesmo. Minh'alma me cansou.

Repetição insignificante

Rubrosuave, malteamargo. Uma noite, uma lua, várias estrelas, uma estrela. Estava frio, mas não muito. Em cinco, caminhamos até a praça. Meio caminho até o cemitério. Tinha esperanças? Não, eram só tolices. Mas como sempre, deixo-me levar. Não me recordo de uma vez que tenha resistido à tentações. Seria esse um sinal de fraqueza de caráter? Um pecado? Na metade do caminho, resolvemos voltar. Ébrios, agora. Os outros, ao menos. Eu estou mais sóbrio do que gostaria. Sempre.

No caminho, penso sobre o motivo de minha tolice. Eu já tenho o espírito curtido pela vida, não deveria ser assim.

'A lua está bonita. Mas as luzes da cidade matam a noite.'

Gosto do som. Frases poéticas; mas mais do que um sentido, palavras são sons: o modo como sobem e descem seus tons, acariciando os ouvidos com ternura, causam-me prazer. Sentamos-nos, a pequena não está bem. Mais por suas agonias do que pelo vinho. Eu sei como é, eu digo. E sei mesmo. Quantas vezes já não me encotrei assim, abandonando a mim mesmo enquanto por dentro morria em nome de outra pessoa? Um mártir, mas nunca um jesuíta. Importar-se é sofrer. Ela vomita. Logo, o outro também.

Sinto-me responsável. Eu sou o mais velho, deveria ter tomado conta deles. Os corações que quebrei, as vezes que neguei ajuda, as vezes que fui fraco. Agora, mais uma culpa para juntar-se a essa galeria.

Para casa: entramos todos em meu carro, e a jornada é curta. Penso no que achava que devia ter feito - como seria melhor ter uma decepção à não ter feito nada. Haveria ainda tempo? Sempre há tempo na vida, dizia um poeta. Ou seria o povo? Não me recordo. De qualquer modo, não existe poeta maior do que o povo. Folkgeist.

Sem palavras - são insignificantes, apesar dos sons - tento ser o homem que não fui. Sem palavras - são insignificantes quando se quer realmente dizer algo - sou lembrado do motivo de meus medos.

Envio: a vida inteira, uma repetição insignificante.

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Duas taumaturgias

A respiração pesada tornava-se lentamente um estertor. Era cada vez mais um ruído, e menos um sopro. Nunca pensou que seria assim. Talvez uma vez, quando criança, enquanto brincava de segurar a respiração com seu irmão: competiam para ver quem aguentava mais tempo. Era uma de suas brincadeiras favoritas, apesar de sempre perder. Não tivera filhos, nem esposa. Só seu irmão sentiria sua falta.

Era um belo de um pequeno, apesar de ser magro e quase careca, com os olhos quase sempre fechados. Seus sons eram mais grunhidos do que fala. Na verdade, não era fala de modo algum. Mas chorava pouco. Quase nunca. Quantas vezes já vira seres como aquele, e se perguntava o que tinham de tão especial? Em menos de um mês, o descobrira. Era incrível que um sentimento tão forte pudesse surgir em tão pouco tempo.

A Hora do Lobo

Em algum momento entre o pôr e o nascer do sol existe uma hora que é chamada 'a hora do lobo'. É a hora em que as pessoas morrem e, se você estiver acordado, sentirá medo.

A manhã é a hora em que os mortos adormecem. Seja silencioso ou então poderá acordá-los. E não se deve acordar os mortos: eles devem estar sempre felizes e contentes, para que eles, pelo menos eles - já livres das outras misérias dessa vida - o recebam com um sorriso quando voltar para casa.

A chuva nunca cessa em Tupelo.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

O Grito

Queria estar completamente sozinho: sem ninguém ao seu redor poderia, por fim, ter paz para escutar seus próprios pensamentos. Um grito escalava seu peito, subia por sua garganta. Aquele não era seu lugar. Talvez fosse apenas um drama arrogantemente kafkiano que fazia, mas, de qualquer maneira, não era um deles, era diferente - desesperadoramente diferente, definitivamente diferente. Não ansiava a solidão. A esta, já pertencia. Desejava apenas o silêncio. Suprimiu o grito, mas isso só fez aumentar sua angústia.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Letargia

Os dias lentos passam, cheios, mas não o suficiente para evitar anseios. A ruptura é iminente, a transgressão necessária. Preencho meus vazios com os poetas de outrora e de agora: Joyce, Beckett, Canetti, Grass. Mas, ante os portões do inferno e do paraíso (percebo: é um mesmo portão para ambos), de que vale toda a poesia? De que vale o mundo?
Tenho olheiras, coisa que há muito não tinha. Estou cansado, fatigado, fastidiado. Luto pela minha sobriedade: nem todo o uísque do mundo poderia me ajudar.

Nada no mundo é mais temível que o silêncio - nem mesmo a escuridão.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Escarlateamargo

Escarlateamargo. Foi uma boa caminhada, foram boas palavras. Sendo o que não somos, tornamos-nos quem somos. Por vezes, é difícil aceitar que se sente.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Um episódio

Tarde quente. Um mestre dita suas vírgulas para jovens homens (rapazes? rapaces?) e mulheres. Zunindo ao fundo: música sem tons, sem modos e nem compassos. Um ventilador.
Torpe lusco-fusco e divagações sobre mentiras. Ao longe, uma suavedama me escapa, como a ninfa escapou ao vento.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Três parágrafos (de um ébrio)

A noite insone rescende a uísque. Goethe, Nelson, Sagan e Blake. A verborragia é sedutora.

A cidade empalidece a beleza e as estrelas brilham como se fosse menos estrelas. Lânguidos sentimentos. Poetas que se temem.

Como se houvesse sido uma mão divina e apócrifa que me guiou. Etílica. A essa ferida, chamo alma. Desespero dos obliterados. Desesperos obliterados. Por que escondo meus nomes?

Solilóquio (2)

Existem duas formas de pensamento, uma racional e outra não. Espero que a minha escolha - não, não é uma escolha, simplesmente é - seja óbvia.
Crenças fixas não me servem. Por isso mesmo tenho crenças, mas não acredito nelas.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Solilóquio

O que você teme? Eu sei, é óbvio. A perguntar é retórica, estou falando sozinho. Quando se fala sozinho, todas as perguntas são retóricas. Eu temo aquilo que quero, é bem simples.
Não era pra ser assim. Eu deveria ser frio, impessoal. Não deveria me importar com certas coisas. Mas por baixo de todo meu niilismo, existe alguém que se deixa convencer pelas raposas.
E que teme começar a achar isso bom. Seria hora de enfrentar os medos?

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Inquietitude.

Os dias são rápidos, passam devagar. Tudo inquieta e nada importa. Humano, não humano. Desesperado e desesperador.

Fútil.
Tolo.
Humano. Deprimente.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Volta as aulas. Tumulto.

Volta as aulas:

"Quem mexe com internet
Fica rico sem sair de casa
Quem tem computador
Não de precisa de mais nada
Estudar pra quê?"

(Pato Fu)

Tumulto:

É curioso como um episódio dramático marca mais do que uma vida de moderação, mesmo que se trate de uma mesma pessoa.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Misantropia

Minha misantropia parece um tanto idiota quando confrontada com certas pessoas.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Aulas

Em dois dias retornam as aulas.
Por um lado isso é bom. Eu gosto de estudar. Mesmo que seja algo tão limitado quanto medicina. Qualquer coisa que eu estude será limitada, depende de mim ampliar os horizontes. E é o que eu faço. Ou tento.
Mas em contrapartida... Vou voltar a conviver todos os dias com um mundo um tanto quanto deprimente. Para mim, pelo menos. Eu gosto da medicina, gosto do conhecimento, gosto da prática. Mas não me é motivo de orgulho, muito menos alvo de admiração.
Nada que não é belo pode ser admirado. Onde está a beleza da ciência médica (acho curioso que alguns chamem a medicina de arte, sendo que arte é tudo que ela não é)? Curar as pessoas, aliviar suas dores? Só considero isso belo no sentido de que tudo carrega seu quinhão de beleza. Desconsiderado o romantismo tolo, a cura e o alívio são as utilidades, os objetivos da medicina. Sendo então uma ciência útil e objetiva, não tem beleza: a utilidade e a objetividade são inimigas da beleza, inimigas da arte.
E quanto ao orgulho? Não deveria orgulhar-me do que faço? Não, é o que eu digo. Eu não considero que o fato de eu fazer uma coisa e não as demais deva ser motivo de orgulho. Médicos não são melhores que nenhum humano - por mais que boa parte dos meus colegas de curso e futuros colegas de profissão gostem de pensar assim. Assim como humanos não são melhores do que nenhum outro ser.
Gosto de estudar medicina, mas não a admiro, não me orgulho dela. E sequer acredito nela. Mas talvez eu não acredite em nada, no fim das contas.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Sobre o nome

Deuses só existem para aqueles que acreditam neles. Para alguns, é um postulado, para outros, uma ficção. Assim como o átomo. Láxness criou o Deus Atômico. É quase como o niilista Bazaróv: destrói, por ser uma força.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

A Painful Case

O fim último de todo sentimento é a dor. Werther não teria morrido se não fosse assim. James Duffy não teria perdido sua amante, ela não teria perdido a vida, e sobre ele não pesaria a culpa pela morte dela. Não a ouviria sussurrar e, conseqüentemente, não a ouviria calar.

Declaro, por isso, a abolição de todo sentimento, de todo romantismo tolo e fútil e, com isso, a libertação do homem (ou ao menos a minha, se ninguém mais importar-se com minhas declarações) da dor.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Love, love, love.

His heart was pounding fast. He was anxious, as he hadn't been for a long time. The rain falling upon them and, above that, the darkened sky.
"I... I love you. It's not like a juvenile passion, nor a passing bird. Not like a sad song or a painful smile - that sometimes is the mark of loving. No. I love you, in the simplest and purest of forms." Hesitating in the start, but soon his voice was carried by what he felt.
She looked surprised. As she had never expected that. Still, she replied confidently.
"So do I. I love you with every atom in my being, with every tiny bit of my soul. And just like your love for me, this ain't desperation, this is just joy."
For a second they just stared at each other. Love told, each one took its own way. They would never meet again. Both knew it would be best, for lovers rather keep their love alive with distance - like if it was a dream - than burn it in its own fire.

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Escrevi originalmente em inglês mesmo. Depois traduzo.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Vazio

O sofrimento é o vazio. É paradoxal e cômico, mas o vazio também é o modo mais fácil de ser alegre. Felizmente eu não faço questão de sentido, nem de razão.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

A respeito do título (2)

As personagens de Kundera estão sempre submetidas a sua própria sensualidade ao mesmo tempo que são vítimas de questões existenciais. Há a ruptura entre o que se é e o que se quer - ou o que se deveria - ser. Ess muss sein.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

As you danced to the Turkish song of the damned

"Did you keep a watch for a dead man's wind
Did you see the woman with the comb in her hand
Wailing away on the wall on the strand
As you danced to the Turkish song of the damned"

As vezes parece que essas são as únicas músicas às quais eu posso dançar. Ou, ao menos, que eu quero. Mesmo que eu não queira... É o que me resta, por omissão.


sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

A respeito do título


"We rode in sorrow, with strong hounds three,
Bran, Sgeolan, and Lomair,
On a morning misty and mild and fair.
The mist-drops hung on the fragrant trees,
And in the blossoms hung the bees.
We rode in sadness above Lough Lean,
For our best were dead on Gavra's green."

-W. B. Yeats

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Nevermore

É curioso. Poucos meses atrás eu achava que era uma pessoa feliz, que tinha tudo o que eu precisava: amor. Mas as coisas mudaram, eu percebi que não era isso que eu tinha e muito menos o que eu precisava. Decidi romper com meu mundo de então.
É claro que isso trouxe suas conseqüecias, nem todas tão boas assim. Hoje tenho certeza absoluta de ser odiado por alguém que já sentiu algo diverso disso. Sou um tanto quanto desiludido com relacionamentos. Passei (e passo) várias noites solitárias e depressivas, acompanhado somente por uma garrafa de uísque - que rapidamente se esvai.
Mas por outro lado... Essas coisas não são tão ruins, e além delas, eu tenho muito mais tempo para passar com pessoas realmente interessantes. Eu voltei à minha forma intelectual, estou lendo e escrevendo tanto quanto sempre. Tenho mais liberdade para trabalhar e estudar à minha revelia. E o mais importante, acho eu, é que percebi o quanto me anulei e o quanto fugi de mim nesses anos - poucos para uma vida, muitos para um relacionamento falho.
Como diria o corvo de Allan Poe: 'Nevermore'.