terça-feira, 27 de maio de 2008

um vagabundo iluminado

A única coisa mais inquieta que meus pés é meu coração. A permanência é um veneno para minha alma, preciso, anseio e sou todo inconstância.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Aniversário

Ontem foi meu aniversário. Eu sempre penso em aniversário como dias deprimentes: um lembrete da mortalidade, da fugacidade. A perda da inocência.Em muito tempo, esse foi o melhor. Eu ia fazer um texto gigantesco e tão filosófico quanto os outros a respeito, mas... Deixa. Certas coisas não precisam de filosofia, elas simplesmente são. E foi assim meu dia. Graças não a ser meu aniversário, mas as pessoas ao meu redor. As antigas, mais antigas de todas. As antigas, mas não tanto. E as bem novas. Todas bem próximas a mim, umas que estiveram a vida toda ali, outras que me tiraram da merda nos momentos difíceis e outras que pura e simplesmente me entendem.Obrigado. Graças a vocês, todas as palavras tem o comprimento de suas vibrações, e a dissonância que eu chamo de vida continua a soar.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Cassandra (2)

1: http://fluxodeinconsciencia.blogspot.com/2008/04/cassandra.html

É curiosa - e igualmente dolorosa - a impossibilidade da memória: não consigo lembrar de um rosto quando não o estou vendo, isto é: sou capaz de reconhecer uma face mas nunca lembro exatamente como ela é. Mais difícil do que comer uma madeleine.
O dia arrastou-se lento, eu trabalhava distraído. Mnemósine não me sorria enquanto eu tentava fazer um retrato mental de Cassandra. Ela assombrou-me durante todo o dia, o escritório era Elsinore: a vingança aqui chamava-se compreensão.
Finalmente chegou a hora do enterro. Enlutei-me, por puro respeito a família: não acho que os vivos devam mais respeito aos vivos que aos mortos, e nunca vi ninguém usar uma cor especial para um nascimento. Via de regra, os vivos é que tem o que os mortos desejam.
A atmosfera era típica: lágrimas contidas, lágrimas copiosas, lágrimas discretas - como todos os mortos, Cassandra recebeu todos os tipos de lágrimas. Enquanto sua mãe desmanchava-se em pranto, alguns eram quase indiferentes, mais curiosos do que tristes ou respeitosos.
Foi nada mais que uma Dodendanz clássica: o padre e suas litanias: os vivos e suas respostas. A morta enterrada. Acho que seria melhor se ela tivesse sido cremada, eu ao menos quero ser: Ignus mutat res. Deus, no entanto, prefere bolotas de carniça.
Tinha uma irmã. Ou tem, não sei - foi ela que deixou de existir, e não a irmã: noto agora que a gramática está despreparada para lidar com a morte. Quase tão bonita quanto. Porém de olhos menos profundos. Danse macabre: ainda que eu ande à sombra do vale da morte, não temerei mal algum. Sementes de maça foram um suicídio adequado, Dante diria que ela virará uma árvore no inferno. Apolo também transformava mulheres em plantas, mas a Cassandra ele deu o descrédito.
Talvez seja isso. Uma profecia, a qual ninguém dará ouvidos. Como ratos abandonando um navio. Assim tivemos Tróia. Dou as condolências para a família, mas queria que fosse para Cassandra. Acho que ela recusaria.
Quando eu deixo o cemitério, já lunou. As estrelas têm seu brilho ofuscado pela cidade, tornam-se um nada. Isso é bom em dias como esse, nos quais elas seriam tremendamente opressoras.

medos

Confronto-me, por esses dias, com meus maiores medos. Desejo, morte, verdade. Coisas tão díspares entre si quanto divindade e santidade.
Com relação a morte, eu já passei por isso antes. De modo bem parecido. Mas não agi do modo mais adequado: até hoje, é uma das minhas maiores mágoas. Toda vez que eu lembro que perdi de vê-la uma última vez... Eu quero chorar. E agora, a outra. Sabendo que talvez logo eu nunca mais vá vê-la, eu quero chorar, os olhos enchem-se de oceano.
A mesma coragem que me falta para confrontar a verdade. Ou melhor, fazer a verdade ser confrontada. Tenho, sim, um pouco de receio de como vão reagir. Dele, em especial. Posso estar tendo pouca fé agindo assim, mas não acredito que ele me perdoaria - mesmo que isso seja imutável e inculpabilizável: I am what I am.
O desejo é uma dor mais banal, mas ainda lacinante. Seria solucionável, quem sabe. Mas eu não tenho coragem.

domingo, 11 de maio de 2008

tudo aquilo que não

as horas tão claras
sempre tão indistintas
e, como uma brisa,
um movimento que trai
tudo o que não se pode
tudo aquilo que não

mas seríamos tanto assim?
ou seria apenas
mais um erro arrogante
como todos os outros erros
que se recusam
a simplesmente serem?

suas mãos suaves
seus olhos sutis
com a brutalidade que só é possível
ao alvo de uma paixão
que não é, nem nunca
deveria ter sido

sinto-me cada vez menos
mas menos em todo caso
sempre quer dizer mais
mesmo quando não resta
nada

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Duinker, em pedaços

Vazio
Saltar para o longe sem rédeas
Cheio
Saltitar com olhos que implodem
Cheio
Balançar boquiaberto
As crianças dormem o seu êxtase de juventude
A alegria de uma passa para outra
Indo
Vindo
Estrelas

Deseja deseja deseja...

terça-feira, 6 de maio de 2008

a seguinte história...

O tempo e a memória são ilusões.
Passado e futuro só existem como projeções da mente, logo, são irreais. 'Agora' é uma palavra proibida, tenta representar algo fugaz demais para ser representado.
É engraçado como. É engraçado como é difícil lembrar dos rostos que você não está vendo no momento.
Em dúvida.
Anti-górgona me matando.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

anti-górgona

Cinema. Um filme bom: culinário. Um pouco de nacionalismo rescende disso. Ou disso rescende um pouco de nacionalismo. Na verdade, regionalismo: mesmo sendo em parceria com a Itália. Algumas coisas podem ser ignoradas. Orgulho local.
Finalmente a conheci, no mundo real; realmente bonita. Contrariando Wilde eu nem conheci seus vícios, mas a considero interessantíssima. Um tanto parnasiano, talvez.
Perseu não tinha motivos para temer a grotesca górgona: é a beleza que petrifica.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

vozes sem corpos

As horas passam lentas: são, também, rápidas. Não existem perspectivas, no entanto, como Pigmaleão espero por um milagre. Estátua, torne-se humana. Os Deuses não me dariam isso, estão mortos e enterrados.
Ainda assim: anseio: faz tanto tempo, quase esqueci como se faz essas coisas. O dia frio como eu gosto. É, assim que me agrada. Fazer a barba, perfumar-me; visto-me como para um enterro, mas não trajarei o luto. Já o fiz por muito tempo, na minha vida.
As horas passam lentas: são, também, rápidas: anseio. Vozes sem corpos agora me parecem como os filhos de Marte.