sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Duas taumaturgias

A respiração pesada tornava-se lentamente um estertor. Era cada vez mais um ruído, e menos um sopro. Nunca pensou que seria assim. Talvez uma vez, quando criança, enquanto brincava de segurar a respiração com seu irmão: competiam para ver quem aguentava mais tempo. Era uma de suas brincadeiras favoritas, apesar de sempre perder. Não tivera filhos, nem esposa. Só seu irmão sentiria sua falta.

Era um belo de um pequeno, apesar de ser magro e quase careca, com os olhos quase sempre fechados. Seus sons eram mais grunhidos do que fala. Na verdade, não era fala de modo algum. Mas chorava pouco. Quase nunca. Quantas vezes já vira seres como aquele, e se perguntava o que tinham de tão especial? Em menos de um mês, o descobrira. Era incrível que um sentimento tão forte pudesse surgir em tão pouco tempo.

A Hora do Lobo

Em algum momento entre o pôr e o nascer do sol existe uma hora que é chamada 'a hora do lobo'. É a hora em que as pessoas morrem e, se você estiver acordado, sentirá medo.

A manhã é a hora em que os mortos adormecem. Seja silencioso ou então poderá acordá-los. E não se deve acordar os mortos: eles devem estar sempre felizes e contentes, para que eles, pelo menos eles - já livres das outras misérias dessa vida - o recebam com um sorriso quando voltar para casa.

A chuva nunca cessa em Tupelo.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

O Grito

Queria estar completamente sozinho: sem ninguém ao seu redor poderia, por fim, ter paz para escutar seus próprios pensamentos. Um grito escalava seu peito, subia por sua garganta. Aquele não era seu lugar. Talvez fosse apenas um drama arrogantemente kafkiano que fazia, mas, de qualquer maneira, não era um deles, era diferente - desesperadoramente diferente, definitivamente diferente. Não ansiava a solidão. A esta, já pertencia. Desejava apenas o silêncio. Suprimiu o grito, mas isso só fez aumentar sua angústia.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Letargia

Os dias lentos passam, cheios, mas não o suficiente para evitar anseios. A ruptura é iminente, a transgressão necessária. Preencho meus vazios com os poetas de outrora e de agora: Joyce, Beckett, Canetti, Grass. Mas, ante os portões do inferno e do paraíso (percebo: é um mesmo portão para ambos), de que vale toda a poesia? De que vale o mundo?
Tenho olheiras, coisa que há muito não tinha. Estou cansado, fatigado, fastidiado. Luto pela minha sobriedade: nem todo o uísque do mundo poderia me ajudar.

Nada no mundo é mais temível que o silêncio - nem mesmo a escuridão.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Escarlateamargo

Escarlateamargo. Foi uma boa caminhada, foram boas palavras. Sendo o que não somos, tornamos-nos quem somos. Por vezes, é difícil aceitar que se sente.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Um episódio

Tarde quente. Um mestre dita suas vírgulas para jovens homens (rapazes? rapaces?) e mulheres. Zunindo ao fundo: música sem tons, sem modos e nem compassos. Um ventilador.
Torpe lusco-fusco e divagações sobre mentiras. Ao longe, uma suavedama me escapa, como a ninfa escapou ao vento.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Três parágrafos (de um ébrio)

A noite insone rescende a uísque. Goethe, Nelson, Sagan e Blake. A verborragia é sedutora.

A cidade empalidece a beleza e as estrelas brilham como se fosse menos estrelas. Lânguidos sentimentos. Poetas que se temem.

Como se houvesse sido uma mão divina e apócrifa que me guiou. Etílica. A essa ferida, chamo alma. Desespero dos obliterados. Desesperos obliterados. Por que escondo meus nomes?

Solilóquio (2)

Existem duas formas de pensamento, uma racional e outra não. Espero que a minha escolha - não, não é uma escolha, simplesmente é - seja óbvia.
Crenças fixas não me servem. Por isso mesmo tenho crenças, mas não acredito nelas.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Solilóquio

O que você teme? Eu sei, é óbvio. A perguntar é retórica, estou falando sozinho. Quando se fala sozinho, todas as perguntas são retóricas. Eu temo aquilo que quero, é bem simples.
Não era pra ser assim. Eu deveria ser frio, impessoal. Não deveria me importar com certas coisas. Mas por baixo de todo meu niilismo, existe alguém que se deixa convencer pelas raposas.
E que teme começar a achar isso bom. Seria hora de enfrentar os medos?

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Inquietitude.

Os dias são rápidos, passam devagar. Tudo inquieta e nada importa. Humano, não humano. Desesperado e desesperador.

Fútil.
Tolo.
Humano. Deprimente.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Volta as aulas. Tumulto.

Volta as aulas:

"Quem mexe com internet
Fica rico sem sair de casa
Quem tem computador
Não de precisa de mais nada
Estudar pra quê?"

(Pato Fu)

Tumulto:

É curioso como um episódio dramático marca mais do que uma vida de moderação, mesmo que se trate de uma mesma pessoa.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Misantropia

Minha misantropia parece um tanto idiota quando confrontada com certas pessoas.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Aulas

Em dois dias retornam as aulas.
Por um lado isso é bom. Eu gosto de estudar. Mesmo que seja algo tão limitado quanto medicina. Qualquer coisa que eu estude será limitada, depende de mim ampliar os horizontes. E é o que eu faço. Ou tento.
Mas em contrapartida... Vou voltar a conviver todos os dias com um mundo um tanto quanto deprimente. Para mim, pelo menos. Eu gosto da medicina, gosto do conhecimento, gosto da prática. Mas não me é motivo de orgulho, muito menos alvo de admiração.
Nada que não é belo pode ser admirado. Onde está a beleza da ciência médica (acho curioso que alguns chamem a medicina de arte, sendo que arte é tudo que ela não é)? Curar as pessoas, aliviar suas dores? Só considero isso belo no sentido de que tudo carrega seu quinhão de beleza. Desconsiderado o romantismo tolo, a cura e o alívio são as utilidades, os objetivos da medicina. Sendo então uma ciência útil e objetiva, não tem beleza: a utilidade e a objetividade são inimigas da beleza, inimigas da arte.
E quanto ao orgulho? Não deveria orgulhar-me do que faço? Não, é o que eu digo. Eu não considero que o fato de eu fazer uma coisa e não as demais deva ser motivo de orgulho. Médicos não são melhores que nenhum humano - por mais que boa parte dos meus colegas de curso e futuros colegas de profissão gostem de pensar assim. Assim como humanos não são melhores do que nenhum outro ser.
Gosto de estudar medicina, mas não a admiro, não me orgulho dela. E sequer acredito nela. Mas talvez eu não acredite em nada, no fim das contas.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Sobre o nome

Deuses só existem para aqueles que acreditam neles. Para alguns, é um postulado, para outros, uma ficção. Assim como o átomo. Láxness criou o Deus Atômico. É quase como o niilista Bazaróv: destrói, por ser uma força.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

A Painful Case

O fim último de todo sentimento é a dor. Werther não teria morrido se não fosse assim. James Duffy não teria perdido sua amante, ela não teria perdido a vida, e sobre ele não pesaria a culpa pela morte dela. Não a ouviria sussurrar e, conseqüentemente, não a ouviria calar.

Declaro, por isso, a abolição de todo sentimento, de todo romantismo tolo e fútil e, com isso, a libertação do homem (ou ao menos a minha, se ninguém mais importar-se com minhas declarações) da dor.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Love, love, love.

His heart was pounding fast. He was anxious, as he hadn't been for a long time. The rain falling upon them and, above that, the darkened sky.
"I... I love you. It's not like a juvenile passion, nor a passing bird. Not like a sad song or a painful smile - that sometimes is the mark of loving. No. I love you, in the simplest and purest of forms." Hesitating in the start, but soon his voice was carried by what he felt.
She looked surprised. As she had never expected that. Still, she replied confidently.
"So do I. I love you with every atom in my being, with every tiny bit of my soul. And just like your love for me, this ain't desperation, this is just joy."
For a second they just stared at each other. Love told, each one took its own way. They would never meet again. Both knew it would be best, for lovers rather keep their love alive with distance - like if it was a dream - than burn it in its own fire.

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Escrevi originalmente em inglês mesmo. Depois traduzo.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Vazio

O sofrimento é o vazio. É paradoxal e cômico, mas o vazio também é o modo mais fácil de ser alegre. Felizmente eu não faço questão de sentido, nem de razão.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

A respeito do título (2)

As personagens de Kundera estão sempre submetidas a sua própria sensualidade ao mesmo tempo que são vítimas de questões existenciais. Há a ruptura entre o que se é e o que se quer - ou o que se deveria - ser. Ess muss sein.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

As you danced to the Turkish song of the damned

"Did you keep a watch for a dead man's wind
Did you see the woman with the comb in her hand
Wailing away on the wall on the strand
As you danced to the Turkish song of the damned"

As vezes parece que essas são as únicas músicas às quais eu posso dançar. Ou, ao menos, que eu quero. Mesmo que eu não queira... É o que me resta, por omissão.


sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

A respeito do título


"We rode in sorrow, with strong hounds three,
Bran, Sgeolan, and Lomair,
On a morning misty and mild and fair.
The mist-drops hung on the fragrant trees,
And in the blossoms hung the bees.
We rode in sadness above Lough Lean,
For our best were dead on Gavra's green."

-W. B. Yeats