segunda-feira, 14 de abril de 2008

Cassandra

Lembro-me bem; era uma manhã de inverno quando eu cheguei no trabalho e havia um bilhete em minha mesa. Isso não era nada incomum na realidade, como eram poucos funcionários os avisos eram todos enviados dessa forma.
Esse, no entanto, era de um conteúdo inédito. Era um convite para um funeral: senhora Cassandra, uma jovem que trabalhava comigo, estava morta. A família convidava os amigos e colegas de trabalho para o enterro.
Não éramos próximos. Nossa relação resumia-se a troca de cumprimentos simpáticos e a entrega dos textos, quando eu terminava de revisá-los. Não iria ao enterro.
Durante o dia eu notei, no entanto, que ficara bastante abalado. Não pela morte em si, pessoas morrem todos os dias. Mas é que a morte de alguém conhecido - uma pessoa com um rosto e um nome, um ser tangível - sempre traz algo de incognoscível. O tempo se esvai, tudo acaba. Quando confrontados com isso, porém, é inevitável a sensação de perplexidade e de absurdo. Tudo na vida é assombroso, inclusive seu fim.
Cassandra suicidou-se. Foi só o que eu soube, enquanto as horas desenrolavam-se lentamente. Mas, por quê? O que a levou a tirar a própria vida? Ela era jovem, tinha um trabalho que realizava - ao menos aparentemente - com entusiasmo e que lhe garantia um bom padrão de vida. Não éramos próximos, logo não posso ter certeza... Mas seus belos olhos tão escuros não transpareciam nenhuma tristeza ou desespero.
Podia ser solidão. Todos somos sozinhos. Chega a ser opressor: tantas pessoas, tantos nomes e tantas faces indo em tantas direções. E ainda assim, ninguém tem um rumo. Não sabem aonde ir, não sabem o que fazer. Encontram-se, conversam, tocam-se, entregam-se umas as outras, mas isso não faz o menor sentido. Somos apenas almas ocas buscando um preenchimento. Só que nunca poderei perguntar se ela percebia isso ou se preferia enganar-se.
Eu nada sabia a respeito dela, mas estava cada vez mais fascinado. Não sabia se ela tinha família, namorado, um ou mais amantes. Não sabia o que ela gostava ou desgostava, não sabia o que a fazia rir ou chorar. Até o momento ela fora somente uma bela garota que trabalhava comigo. Agora, como que despertas de um sono eterno pelo clamor da morte, tantas perguntas essenciais surgiam. E eu não poderia ficar sem as respostas.
Graças a seu suicídio, apaixonei-me por Cassandra. Acho isso me fez decidir ir ao enterro.

2 comentários:

Anônimo disse...

Uau!!!
Lindo texto!

marcia franco disse...

eu não gosto do nome cassandra.
ok, vá, momento pentelha.